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"Adeus ao proletariado?":
A dimensão simbólica do estádio da
cidadania (Volta Redonda - RJ / Brasil)

   
*Doutor em Geografia; Professor Adjunto do Departamento de Geografia da UERJ
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Membro do grupo de pesquisa
Esporte e Cultura, do CNPq, e da Área Interdisciplinaria
de Estúdios del Deporte (AIED, UBA).
**Mestre em Geografia, Professor Substituto do Departamento de Geografia da UERJ -
FFP (Faculdade de Formação de Professores) e Professor Assistente da
FERLAGOS (Faculdade da Região dos Lagos).
 
 
Gilmar Mascarenhas*
gilmasc2001@yahoo.com.br  
Leandro Dias de Oliveira**
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
     Este artigo tem como objetivo compreender e dimensionar o significado simbólico de um equipamento esportivo, o Estádio da Cidadania, na atual reestruturação territorial da cidade industrial de Volta Redonda, no Brasil.
    Unitermos: Estádio de futebol. Simbolismo. Volta Redonda. Brasil.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 101 - Octubre de 2006

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Introdução

    O futebol carioca viveu, em 2005, um ano atípico, ao menos em dois importantes fatores: [1] A decisão da Taça Guanabara foi decidida entre dois clubes do interior do estado do Rio de Janeiro, Americano e Volta Redonda F. C., em que o último sagrou-se campeão, e por isso foi classificado para a final do Campeonato Estadual contra o Fluminense; [2] O Estádio do Maracanã, palco inigualável para os grandes embates dos clubes cariocas no Campeonato Brasileiro, esteve fechado para reformas modernizadoras visando os Jogos Pan-americanos de 2007, obrigando os grandes clubes da cidade a realizarem suas partidas em outras arenas. Neste aspecto, o Fluminense atuou no moderno Estádio da Cidadania, na cidade de Volta Redonda, onde também aconteceram embates envolvendo os outros times do Rio de Janeiro1.

    Evidentemente, em comum entre os fatores relacionados, aparece a cidade de Volta Redonda, de onde saiu o time campeão da Taça Guanabara e vice-campeão do Campeonato Estadual, e ainda foi sede de importantes jogos do Campeonato Brasileiro, transmitidos em nível nacional, onde sempre eram ressaltadas para o telespectador as qualidades do recém reformado Estádio Municipal General Sylvio Raulino de Oliveira, agora denominado Estádio da Cidadania. A cidade de Volta Redonda, indubitavelmente, foi uma grande protagonista no atual cenário do futebol carioca.

    Antes de mais, Volta Redonda é uma cidade de porte mediano, localizada na Região do Médio Vale Paraíba, cuja fundação é bastante recente (1954). Mas, apesar disso, é uma cidade deveras fundamental na história brasileira, pois foi neste local que o presidente Getúlio Vargas, em 1941, decidiu implementar a Companhia Siderúrgica Nacional (C.S.N.), marco salutar no desenvolvimento capitalista do país, e acabou transformando a cidade de Volta Redonda em espécie de modelo de gestão urbano-industrial. A gigantesca C.S.N., hoje privatizada, continua imponente na área central, mas a outrora "Cidade Industrial" modelar vive atualmente uma profunda reestruturação produtiva, com o advento de crises nas esferas social, ambiental e urbana. A "Cidade do Aço", como é conhecida nacionalmente, vive um período de transformações.

    Neste panorama, o Estádio da Cidadania emerge como um novo símbolo de Volta Redonda. Há um eclipse da poluente e excludente C.S.N. e um fausto do bonito e confortável estádio de futebol. Com uma estética arrojada, universidade e academia de musculação em suas dependências, qualidade do gramado, das cabines de transmissão de rádio e televisão e dos vestiários para os atletas, o Estádio da Cidadania transparece modernidade, simbolizando a gênese de uma nova era na cidade. A C.S.N. e o estádio são vizinhos, e fica evidente o encontro entre o "passado" e o "futuro". Este choque de objetos geográficos tão diferentes é motivador de nossas preocupações iniciais.

    Nossa proposta, então, é compreender o real significado simbólico do Estádio da Cidadania na atual reestruturação territorial de Volta Redonda. Porém, para alcançarmos este intento, estruturamos nosso trabalho em três momentos basilares: o primeiro foi compreender a dimensão simbólica dos Estádios de Futebol, que vive uma mutação recente, deixando de ser um lugar de celebração do esporte pelas massas populares para adequar-se às novas imposições de segurança e conforto das federações internacionais, que acabam excluindo os trabalhadores e congelando suas manifestações; o segundo momento foi investigar a atual reestruturação territorial de Volta Redonda, suas causas e conseqüências, que vem alterando ativamente o próprio antigo modelo instituído por um novo padrão baseado no citymarketing, a partir, principalmente, da constituição de uma cidade sustentável e de qualidade de vida. Após este esforço teórico, em um terceiro momento, efetuamos a análise da questão central que colocamos, através do entendimento de nosso referencial empírico como amálgama de simbolismos e significações.


Simbolismo e estádios de futebol

    Os estádios são memória acumulada, vivida coletivamente. Gigantescos templos de concreto, nos quais Freud já havia detectado uma dimensão "sagrada". O formato "circular" das grandes arenas nos evocaria o eterno retorno dos tempos, exercício facilmente associado ao ciclo das temporadas esportivas. Meca de cânticos profanos, ao ingressar neste recinto o indivíduo vivencia a suspensão do tempo externo (MORRIS, 1981).

    Esta evocação do estádio como espaço potencialmente sagrado é recorrente na literatura esportiva. O belo livro de MORRIS (1981) trata o estádio de futebol como "templo", onde o cenário cumpre papel fundamental, pois até mesmo os grandes refletores, quando posicionados no alto de elevadas estruturas, podem ser comparados com primitivas formas totêmicas. São espaços de expressão do poder, concentração do poder e de uma dada forma de realização do poder.

    Os estádios são assim portadores de memória e importantes conotações simbólicas, conforme percebeu COSTA (1987), que definiu-os como "novos espaços institucionais" capazes de mobilizar uma nação inteira e cada indivíduo a seu modo. O autor, estudando os estádios de futebol em Portugal, chega a sugerir que estes cumprem papel de espaço efêmero de comunhão da coletividade, semelhante ao exercido pela igreja nas pequenas vilas de outrora. Podemos enquadrá-lo, de certa forma, num conjunto mais amplo de espaços institucionais da era moderna, como a escola, o hospital e presídio, cujas arquitetura, táticas de controle e anatomia política Foucault esmiuçou.

    Para ocupar este lugar na experiência coletiva e individual, o estádio descreveu ao longo dos séculos uma peculiar trajetória na civilização ocidental. Sua origem remonta à Antiga Grécia e ao Império Romano. Roma abriga o Coliseu, monumental estrutura com capacidade para 50 mil espectadores, espaço central na reprodução social da pujante capital de um vasto império. Os rituais públicos que ali se realizavam regularmente consistiam no momento festivo oferecido pelos governantes às massas. Ainda hoje podemos constatar vestígios de estádios e estruturas similares nas diversas cidades que foram conquistadas ou criadas pelo Império Romano. Ao associarmos seu porte colossal e localização privilegiada à carnificina e punições aos rebeldes ali realizadas, podemos tomar o Coliseu como um verdadeiro espaço de concentração, expressão e exercício do poder.

    Com o declínio do império e a conformação do medievo, as cidades perderam sua força, e os estádios, enquanto momento ritualizado da vida social, desapareceram. Todavia, atividades lúdicas e eventualmente competitivas se realizam, como precursoras dos esportes modernos (GUTTMAN, 1978; DUNNING & SHEARD, 1979).

    Na segunda metade do século XVIII, torna-se habitual nos colégios ingleses a prática de jogos viris (que freqüentemente exigem mais empenho muscular que propriamente habilidades mais nobres como destreza e equilíbrio), extraídos e reelaborados pelos jovens a partir dos supracitados jogos da tradição popular, como o folk football. A elite agora iniciava-se em práticas esportivas diferentes daquelas consideradas próprias da nobreza, tais como a esgrima, a equitação, o golfe, a caça, o arco, o salto etc. (DUNNING & SHEARD, 1979:1-3).

    Em 1830, a educação física encontra-se plenamente inserida nas public schools inglesas, na busca do corpo disciplinado e são. Com ela, o incentivo oficial à prática de jogos populares que, submetidos a uma crescente regulamentação, resultará na "invenção" de diversas modalidades esportivas de ampla aceitação mundial posterior, como o futebol, o rugby e o cricket. Entre 1820 e 1870, as escolas públicas inglesas funcionaram como laboratórios de invenção dos esportes modernos (AUGUSTIN, 1995:20).

    No século XIX os ingleses chegaram a dominar ¼ do planeta, o que ajuda a explicar o sucesso dos sports em sua difusão pelo mundo. Com a profissionalização, movida por agentes privados, atentos à lucratividade de espetáculos esportivos, surgem os grandes estádios da era moderna.

    A ritualização do espetáculo esportivo, ingrediente da modernidade urbana, não é apenas destinado às elites. A partir de 1880, o futebol inglês e o baseball nos EUA cumprem papel de oferecer diversão de massa aos trabalhadores, na forma de gigantescos estádios. Em 1888, uma multidão compareceu ao duelo de baseball entre as equipes de New York e Pittsburgh, e muitos tiveram de ficar do lado de fora, outros tantos amontoados à beira do campo, contornando-o como uma cerca humana. Segundo BARTH (1980), a formação de grandes platéias nos estádios é um dado que transcende o universo específico dos esportes. Faz parte da estratégia dominante de reprodução social, do controle sobre o tempo livre do trabalhador. A festa recriada, para o ambiente urbano-industrial. Mas, com o advento de uma sociedade "pós-industrial", o estádio se liberta deste papel na reprodução social, para ingressar na esfera do consumo elitizado de um espetáculo. É no contexto da Belle Époque, ou da modernidade urbana (MASCARENHAS, 1999), que este processo econômico-social, gerador de estádios, adquire efetividade2. Pouco mais tarde, no âmbito dos governos nazi-fascistas, quando os esportes simbolizam vigor nacionalista e capacidade de realização de uma raça, os estádios se multiplicam pelas cidades. Mussolini disseminou pela Itália seus estádios "comunales", estruturas neoclássicas padronizadas, símbolos do novo regime e da herança poderosa do velho império.

    No Brasil, o poder público começa, a partir da decretação do Estado Novo (1937), a construir grandes estádios de futebol, uma vez que este esporte é elevado à condição de símbolos da brasilidade e da integração nacional. O Pacaembu, inaugurado em 1940, exemplifica bem este momento. Dez anos depois, surge o Maracanã, primeiro estádio do mundo a superar a capacidade de 150 mil espectadores do Circo Máximo, de Roma imperial. Mais tarde, o regime militar (sobretudo entre 1968 e 1980) se encarregará de difundir estádios superdimensionados por todas as capitais do país.

    Contando com amplas arenas, excessiva cobertura midiática e subsídio governamental, o futebol durante décadas atraiu público numeroso no Brasil, tornando-se uma das principais diversões populares. Assim, nos estádios, freqüentemente lotados, o povo desenvolveu rituais próprios, carnavalizantes, ruidosos e coloridos, um cenário de festa (BROMBERGER, 2001).

    Mas, após uma trajetória de constante expansão, em números e porte físico, os estádios em escala mundial vêm apresentando, nos últimos vinte anos, significativa redução de sua capacidade. A introdução de grandes patrocinadores e o advento da receita proveniente das transmissões dos jogos (outrora gratuitas) modificou radicalmente a economia do futebol, na qual os ingressos nos estádios deixaram de ser a principal fonte de rendimentos dos clubes e federações. Estádios lotados tornaram-se portanto muito menos necessários, não apenas pelo advento das novas fontes de receita, mas sobretudo por colocar em risco a própria qualidade do produto que se quer vender: os conflitos entre torcedores e a ameaça que estes podem representar à própria integridade física dos jogadores, tornados valiosos astros milionários na nova economia do futebol.

    A Inglaterra pode ser considerada o paradigma fundador deste processo de mudança no futebol e seus estádios. Tendo consolidado o profissionalismo ainda no final do século XIX, os ingleses dispunham de um numeroso conjunto de estádios antigos, a maioria construída logo após a Primeira Guerra Mundial. Tais estádios, de porte modestos e inseridos em zonas urbanas adensadas (por sua antigüidade), tornaram-se equipamentos obsoletos na nova ordem empresarial do futebol.

    Desde o acidente ocorrido no estádio de Hillsborough (95 mortos, em 1989), culminando uma seqüência de outras catástrofes ocorridas não apenas em estádios ingleses, o governo britânico decidiu pela reforma radical de suas tradicionais e românticas arenas, seguindo as proposições do polêmico Relatório Taylor (LEMOINE, 1998; HORNBY, 2000). Todos os lugares nos estádios deveriam doravante possuir cadeiras, impondo aos espectadores uma atitude inteiramente diferente, condicionada, vigiada, cerceando seus movimentos individuais e coletivos.

    Os movimentos corpóreos do coletivo, reagente, barulhento, vibrante e ameaçador foi aprisionado, pois não pode sobreviver no moderno "all-seated stadium". Cada pessoa no seu lugar, imóvel, e cada lugar ocupado por uma pessoa, espaço congelado. Como asseguram GAFFNEY e BALE (2003), a construção do espaço do estádio efetua um cenário de baixo nível de interação entre as pessoas, bem distante do ambiente festivo e bem menos previsível de outros tempos.

    Este modelo aprisionante de estádio vem se difundindo pelo mundo. No final dos anos noventa, a FIFA impôs normas severas para jogos internacionais, incluindo esta: todos sentados, nada de carnaval, passeatas e movimentos afins. Os clubes aceitam, pois os novos consumidores, além de muito mais "comportados" (não interferem no andamento do jogo), aportam mais dinheiro nas bilheterias e consomem passivamente produtos dentro do estádio.

    No Brasil, tais medidas vêm sendo adotadas paulatinamente. O Estatuto do Torcedor, implementado em 2003, prevê punição severa para transgressores: estes podem ser banidos do estádios por longa temporada. No plano da arquitetura interna, muitos de nossos estádios possuem um setor popular, junto ao campo de jogo, onde os torcedores podem, a preços módicos (além de ficar em pé, expostos ao sol e à chuva, e com uma perspectiva precária dos movimentos gerais da partida), freqüentar com regularidade, como é o caso da "geral " do Maracanã3. Ali o espectador é participante: seus gritos chegam aos ouvidos dos que estão em campo, bem como os objetos eventualmente arremessados. Há uma interlocução intensa, a mesma dos pequenos e antigos estádios, algo banido das grandes arenas modernas, que muito distanciam fisicamente o torcedor do jogador.

    Uma nova cultura do futebol, que GIULIANOTTI (2002) define como a do pós-torcedor (o espectador pós-moderno, com mais dinheiro e menos identificação e paixão pelo clube, mero consumidor do espetáculo), se expande mundialmente. Os estádios reduzem sua capacidade e elevam o preço dos ingressos. Uma nova forma de exclusão, tal como outrora foram excluídos desses espaços os negros e outros segmentos marginalizados da modernidade.

    Na contramão da cultura popular, o Brasil celebra seus novos estádios como paradigmas de modernidade. Sob as ruínas impiedosas do velho e simpático estádio Joaquim Américo (de 1924), a cidade de Curitiba erigiu há cinco anos a Arena da Baixada, mais um símbolo de seu citymarketing, de sua imagem de cidade progressista e ordeira. Um estádio confortável, elitizado, com restaurante, lojas e amplo estacionamento, concebido dentro dos padrões vigentes, onde o estádio é um espaço de consumo. É neste processo que podemos enquadrar a cidade industrial fluminense de Volta Redonda, que inaugurou no início do ano de 2004 o Estádio da Cidadania (também destruindo seu antecessor), como símbolo da capacidade empreendedora local. Sobre o processo que desencadeou a construção do Estádio da Cidadania nos debruçaremos no próximo segmento.

Volta Redonda: De ícone industrial-populista ao atual processo de reestruturação

    A cidade de Volta Redonda, que completou apenas cinqüenta anos de emancipação político-administrativa no ano de 2004, tem a peculiaridade de ser formada a partir de uma indústria - a Companhia Siderúrgica Nacional (C.S.N.) - de grande importância histórica no decorrer do processo de industrialização do Brasil. Esta cidade foi planejada a partir do modelo de cidade industrial do arquiteto socialista-utópico francês Tony Garnier, adaptado de forma farsesca pelo também arquiteto Attílio Corrêa Lima ao "autoritarismo populista" de Getúlio Vargas. Como afirma LOPES (1993: 78-79), o plano de Volta Redonda deveria contribuir para exaltar o industrialismo, sublinhar a política social do governo e espacializar, através do desenho e do equipamento da cidade, o homem novo que estava sendo construído. Este homem novo, como propugnava o presidente, agora educado para o trabalho disciplinarizado (MOREIRA, 2003: 140).

    Antes da implementação da usina, nesta área existia apenas um pequeno vilarejo, próximo a uma curva sinuosa do Rio Paraíba do Sul (responsável pelo nome da cidade), que formava o oitavo distrito de Barra Mansa, ainda denominando Santo Antônio de Volta Redonda. A escolha deste lugar para a construção da C.S.N. - o maior empreendimento nacional da primeira metade do Século XX - baseou-se em diversas premissas: a abundante disponibilidade de água doce proporcionada pelo Rio Paraíba do Sul, a facilidade da obtenção de mão-de-obra e a existência da Estrada de Ferro, que garantiria o transporte das matérias-primas e produtos (SOUZA, 1992: 09), e a localização estratégica, pois estava situada bem próxima aos principais mercados consumidores do país, Rio de Janeiro e São Paulo (FONTES e LAMARÃO, 1986 apud LOMIENTO, 2002, p. 12) e também distante da costa marítima, já que se tratava de um período de guerra. Além destes fatores, como Volta Redonda nasce para representar o progresso, nada mais adequado que transformar uma área cafeeira decadente em um espaço demograficamente novo (MOREIRA, 2003: 140), a partir da industrialização.

    Deste pequeno vilarejo deveria emergir o estandarte-síntese (LOPES, 1993: 21) e símbolo (WIRTH, 1973: 95) da ideologia do desenvolvimento nacionalista de Getúlio Vargas, presidente brasileiro responsável pelo despontar do processo de transição de um modelo econômico agrário-exportador para o desencadeamento da industrialização (LASK, 1991: 08). Volta Redonda foi planejada enquanto uma cidade-modelo, que deveria marcar um padrão qualitativo das residências operárias e um paradigma de gestão do território. O interesse do Estado era fazer de Volta Redonda uma experiência exemplar, planejada pela burocracia tecnocrata, onde deveria ocorrer uma dominação muito bem explícita no território, com um planejamento residencial que evidenciasse a hegemonia dos mais graduados na empresa (LASK, 1991: 28-30). Esse espaço disciplinarizado, então, implicou claramente na segregação espacial (bairros proletários em detrimento de bairros dos quadros superiores, bem policiados e isolados), com diferenças descomunais (MOREL, 1989: 137; LASK, 1991: 33). Os problemas de um modelo, cuja gênese estava tão claramente voltada para interesses dominantes, não tardariam a emergir.

    A construção da C.S.N. atraiu para a nascente cidade uma imensa quantidade de imigrantes. Este crescimento acelerado proporcionou uma progressiva desordem, com os problemas de ordem urbana sendo acentuados paulatinamente. Já na década de 1950 surge a primeira favela: o Morro dos "Atrevidos", que recebe esta denominação pela ousadia e pioneirismo dos operários que não encontrariam outro expediente para estabelecer-se na cidade. Os problemas sociais, no que se referem à estruturação do território, se agravam a partir da própria exploração proveniente do mundo do trabalho. Com a insuficiência da Vila Operária - que primava pela organização em um modelo qualitativo das residências -, na Cidade Nova, para responder por todas as necessidades habitacionais, surgiam outros bairros destinados aos trabalhadores, marcados pela escassez e pela precariedade. (SOUZA, 1992: 28). Logo no período inicial da instalação da Siderúrgica, havia grandes disparidades entre a Cidade Operária - onde situava-se a C.S.N. - e a parte denominada Cidade Velha (núcleo urbano externo à Cidade Operária), que não era contemplada pelo planejamento vigoroso empreendido pela empresa, então principal responsável pelos equipamentos urbanos da cidade. Por isso, se a C.S.N. foi a grande responsável pela configuração do urbano em Volta Redonda, tornou-se também a principal protagonista dos problemas sociais, e também dos grandes problemas ambientais na cidade, ocasionando poluição hídrica, atmosférica, sonora e do solo (LOMIENTO, 2002: 42).

    Assim, a privatização da C.S.N., associada a um novo momento político em Volta Redonda após o encerramento do período da ditadura, e com participação coletiva de movimentos em prol de uma formulação de diretrizes na cidade, gerou a consignação de novos objetivos centrais, com diferentes práticas no território amparados principalmente em dogmas como "qualidade de vida" e "sustentabilidade". Em um doloroso processo de privatização, a empresa foi palco da maior resistência operária à desestatização da siderurgia (SCHMIDT, 2000, p. 200), que foi efetuada com entrada nula de dinheiro aos cofres governamentais, através de parcelamentos e uso de dívidas em títulos (BIONDI, 2001: 12). Nesta seara, destacamos a ação do sindicato de metalúrgicos de Volta Redonda, que proporcionou importante registro na história recente do movimento sindical brasileiro, com a ocupação de Usina Presidente Vargas (C.S.N.), em 1988 (ANTUNES, 2001: 237; GRACIOLLI, 1994).

    Este movimento sindical, que emerge com grande força empreendendo um período de grandes greves de 1984 até 1988, trabalha por questões que envolvem lutas por melhorias urbanas, ou seja, trazia no bojo de questões do mundo do trabalho mas também melhorias na estrutura da cidade. O movimento operário de Volta Redonda elegeu, inclusive, como prefeito da cidade o então presidente do sindicato dos metalúrgicos, José Juarez Antunes, que sofreu um estranho acidente de automóvel antes de assumir o governo. Este conflito intenso em uma cidade industrial espacialmente segregada, esgotou a ideologia dominante baseada naquele modelo farsesco de cidade industrial, baseado no desenvolvimentismo e na ideologia do progresso, cujo plano urbano de Volta Redonda consolidou. Além disso, os graves problemas sociais, ambientais e econômicos, e o grande vigor das lutas proletárias, criaram a necessidade de um potente processo de reestruturação capaz de diminuir os anátemas do industrialismo agora insustentável. E com o afastamento definitivo da C.S.N. do fomento de políticas sociais e dos investimentos em melhorias urbanas, surgia a necessidade, agora basilar, de uma gestão independente do Prefeitura Municipal, proporcionando desavenças com a própria direção da Siderúrgica.

    Assim, a Prefeitura, desde 1989, no governo de Wanildo de Carvalho4, vem continuamente apontando a falência do modelo anterior, lançando propostas de reestruturação urbana. Mas, verdadeiramente, é na administração municipal de Antônio Francisco Neto (1997-2004), que é empreendida uma contundente reformulação estética na cidade. Neste período, a cidade recebe um grande investimento no embelezamento de praças, viadutos e avenidas, além de um grande plano de trabalho que busca deslocar o epicentro da "cidade-usina" para uma cidade baseada na cidadania. Como adverte MOREIRA (1993), esta reinvenção da paisagem urbana, através da renovação das fachadas simples ou monumentais, tem a intenção de nos espreitar a ideologia que os construtores da ordem territorial nos querem incutir.

    Este vultuoso processo de reestruturação territorial em curso, em substituição ao antigo e insuficiente modelo de cidade operária, compreende políticas públicas de saneamento das necessidades básicas, onde o poder municipal administra sua desproporcional responsabilidade sobre os problemas urbanos, cujos problemas muitas vezes extrapolam sua competência (SANTOS, 2001, p. 108). Mas, com grande valor agregado de marketing urbano (LIMONAD, 2003), e capaz de atrair novos investimentos (ACSELRAD, 1999, p. 81), este discurso político que combina o binômio "cidadania / sustentabilidade" de tem alto poder de legitimação, e fator de cooptação das classes trabalhadoras órfãs do paternalismo outrora presente na cidade.

    Como símbolo máximo deste processo, é inaugurado o Estádio da Cidadania, espécie de novo estandarte-síntese. A construção da cidade no apogeu do populismo autoritário de Getúlio Vargas, o difícil período da Ditadura Militar, que elevou a cidade a área de interesse nacional e acirrou o processo de perseguição a líderes e artífices de oposição, a luta do Sindicato dos Metalúrgicos que culminou com a ocupação da usina e posterior morte de três proletários, e mesmo o doloroso processo de privatização, que gerou exclusão, desemprego e crise geral, dariam lugar a uma nova cidade, com "qualidade de vida", "cidadã", "sustentável" e com participação de todos os segmentos sociais. Símbolos como a própria Usina Siderúrgica5 ou o Monumento em Homenagem aos Operários Mortos6 devem ser paulatinamente "substituídos", em sua dimensão sígnica pelo novo, moderno e suntuoso Estádio da Cidadania.


O Estádio da Cidadania

    A reformulação do Estádio Municipal General Sylvio Raulino de Oliveira, localizado no bairro Nossa Senhora das Graças, foi, com certeza absoluta, a obra mais emblemática da administração municipal de Antônio Francisco Netto (1997 - 2004), consumindo cerca de 16 (dezesseis) milhões de reais. Do simplório Estádio Raulino de Oliveira, erguido no final dos anos 40, nada mais existe. O antigo estádio, que recebeu o nome de seu mentor, na época presidente da C.S.N., deu lugar a uma futurista arena esportiva. Até então, apenas uma única grande reformulação tinha sido efetuada, em 1975, que envolveu inclusive o aumento da capacidade de espectadores. Esta obra, na época, foi realizada a partir da união entre a Prefeitura Municipal de Volta Redonda, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF), para que o estádio remodelado pudesse receber o nascente Volta Redonda Futebol Clube (09-01-1976).

    Inaugurado em 17 de abril de 2004, com uma partida entre o Volta Redonda e o Botafogo, o Estádio da Cidadania compreende: um pólo de ensino público superior à distância equipado com auditório e laboratórios e dispondo de cinco mil vagas com ensino gratuito (suas salas são construídas sob as arquibancadas), uma academia de ginástica para a terceira idade e para deficientes físicos, um centro de recuperação para cardíacos, uma escola para portadores de necessidades especiais (deficientes físicos e mentais) e salas para terceira idade, com aulas de informática, artes e informações sobre o mundo contemporâneo.

    Além disso, o Estádio também registra, segundo Alkindar COSTA(2004):

  • 26 mil metros quadrados, dois quais 13,6 mil metros quadrados de área construída (70% coberta);

  • Capacidade para 21 mil torcedores sentados e 1000 em pé;

  • Nas dependências internas, ar condicionado tipo "split", gramado irrigado por sistema embutido e computadorizado, com acesso por três túneis, sendo dois nas laterais para a entrada dos jogadores e, o central para o juiz, os auxiliares, autoridades e pessoal da imprensa;

  • Trinta câmeras com zoom de alto alcance, monitorando torcedores, dentro e fora do complexo;

  • Iluminação feita por 128 projetores circulares importados, com lâmpadas multivapores metálicas;

  • Painel eletrônico de 6 x 4 metros, totalmente full color, que permite uma visualização de grande qualidade dos efeitos e das imagens transmitidas antes e no decorrer dos jogos. No painel também é transmitida a renda obtida pelo pagamento de ingressos e o número de espectadores pagantes é divulgado;

  • Academia de artes marciais;

  • Dois elevadores panorâmicos, com capacidade para 15 pessoas;

  • Vestiários (equipados com salas médicas e Raios X), sendo dois para o jogo preliminar e dois para o principal, com sanitários, duchas e banheiras de hidromassagem, aquecimento a gás, armários, áreas de descanso e piso drenante;

  • Nove camarotes, 24 banheiros públicos, bares e lanchonetes;

  • Sala para anti-doping;

  • Oito cabines para rádio e três cabines para televisão com Internet de alta velocidade, revestimento acústico e ar-condicionado;

  • Um posto policial dá suporte a estrutura, além de disponibilização de contingente policial para os dias de jogos7.


    Aberto a visitas em dias comuns, sem jogos programados, todas estas informações são repassadas, reforçando-se o sempre caráter exclusivo e pioneiro de tais inovações no estado do Rio de Janeiro. Nos dias de jogos, todo um esquema de estacionamento é montado nas ruas próximas ao estádio, e logicamente uma nova economia de bares e comércios tem se desenvolvido nos bairros Nossa Senhora das Graças e Aterrado. Em grandes jogos, as ruas acanhadas dos arredores ficam repletas de ambulantes, "flanelinhas" e mesmo cambistas.

    Ir ao Estádio da Cidadania assistir um jogo de futebol é, indubitavelmente, diferente de assistir uma partida no Maracanã ou São Januário. O Estádio com cadeiras muito bem distribuídas inibe a permanência dos torcedores de pé e dificulta a aglomeração de torcidas organizadas, tornando o espetáculo menos interativo em relação ao torcedor. Ao mesmo tempo, fica perceptível as graves diferenças entre este modelo de estádio e outros mais antigos, como o acesso da torcida às arquibancadas, limitados em boa pelas portas envidraçadas da pólo universitário e da academia de musculação, o baixo alambrado e uma impactante sensação de fragilidade de cadeiras, cúpulas e grades. Uma nova forma de torcer, ou melhor, acompanhar as partidas de futebol nos é apresentada (ou imposta), preconizando o surgimento de um "novo torcedor", ou mesmo "pós-torcedor" (GIULIANOTTI, 2002), como relatamos anteriormente, nos estádios de futebol.

    Quando Getúlio Vargas escolheu Volta Redonda para implantar uma indústria de base, no desencadeamento do Capitalismo Industrial, ele propugnava a formação de um novo homem: o proletário, obviamente anestesiado pelo paternalismo e, por isso, pouco ativo nas lutas sindicais. Para este intento, esmerou-se na corrupção de uma arquitetura com raízes utópico-socialistas (convenientemente distorcida de acordo com seus ideais) para construir em Volta Redonda um modelo de cidade industrial. A ideologia dominante era o desenvolvimentismo (uma adaptação grosseira do fordismo) e o símbolo máximo deste processo era a própria C.S.N., onipotente e onipresente, que deveria inaugurar uma fase de espetacular crescimento e inserção do Brasil na ordem mundial.

    O lento esgotamento deste modelo atingiu o seu auge no processo de privatização finalizado em 1993. Durante este período, a cidade foi palco das mais abruptas crises que envolvem a ordem moderna. Crise no mundo do trabalho, com as mutações do sistema produtivo, na evolução lenta do fordismo para regime de acumulação flexível, isolando e o trabalhador e deslegitimando as lutas proletárias. Crise no planejamento urbano, com a implosão do modelo de cidade industrial, devido ao afastamento da C.S.N. das questões locais, e também o enfraquecimento das vilas operárias e instituições dos trabalhadores. Crise do emprego, com a demissão de cerca de 1/3 dos empregados da C.S.N. privatizada, e o crescimento desordenado do setor terciário da cidade (em boa parte, informal). Crise ambiental, já que a siderurgia integrada é um dos empreendimentos mais poluidores existentes, e Volta Redonda, localizada em um vale e às margens do Rio Paraíba do Sul, tornou-se foco de violentíssima poluição do ar, das águas e do solo (pela escória, rejeito principal da siderurgia). Tudo isso implica em uma crise de valores, com o proletário inepto a enquadrar-se a nova ordem e a própria população da cidade com baixíssima estima e inexistente perspectiva de um futuro promissor.

    Atualmente, um novo modelo começa a ser implementado. O advento desta nova ordem vem no bojo das mutações do Industrialismo e seu desenvolvimento inconseqüente, da evolução do meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2002), das limitações paradigmáticas do mundo moderno e surgimento de novas interpretações complexas e de múltiplos saberes. Dentro desta perspectiva neoliberal, sob os auspícios da globalização, novas ideologias totalizantes são engendradas, como as baseadas na vaga concepção de Desenvolvimento Sustentável (OLIVEIRA, 2005), que hegemonicamente aponta soluções falaciosas para os problemas estruturais do mundo, conjugando a capacidade redentora da técnica (GONÇALVES, 1992) com investimentos em "qualidade de vida" para modificar o quadro existente. Estas novas configurações têm se refletido no ordenamento urbano, tornado vitrine de um novo mundo, cuja paisagem fluidificada torna-se mercadoria (o citymarketing) e também tela de inculcação dos signos hegemônicos (MOREIRA, 1993). Quanto ao proletário, reduzido e individualizado, ofuscado pelo veloz progresso tecnológico, parece negado em sua condição social e com a existência ameaçada pelos novos tempos.

    Quando Ricardo ANTUNES intitula sua importante obra com a interrogação "Adeus ao trabalho?" (1995), ele responde seu questionamento afirmando que, apesar de vivemos um discurso dominante de negação da centralidade do mesmo (e, por isso mesmo, o autor passa a indicar posteriormente, em sua obra, uma extensão do conceito de proletário para "classe-que-vive-do-trabalho"), de forma alguma isto significa o fim do trabalho. Enquanto estudioso do sindicalismo, e especialista em obras sobre este conceito basilar na teoria marxista, ANTUNES (2001) reafirma a concretude da classe trabalhadora, que engloba todos que vendem sua força de trabalho em troca de salário (para além da concepção clássica de classe que efetua serviços manuais diretos), e mesmo os desempregados. Ao contrário de Claus OFFE (1984), ou mesmo Adam SHAFF (1990), concordamos com ANTUNES e não acreditamos no fim do trabalho, concreto ou abstrato, mas sim em uma mudança em sua apreensão conceitual, a partir das estruturas dominantes.

    Desta maneira, em nosso trabalho utilizamos como título a afirmação contundente de André GORZ (1987), Adeus ao proletariado, que intitula seu impactante trabalho, mas acrescentamos o ponto de interrogação, em referência à o obra de Ricardo ANTUNES (1995), Adeus ao Trabalho?, tornando a temática muito mais interessante para o conjunto de nossas observações. Vale ressaltar que discordamos do certo pessimismo de GORZ, que alude para a não-centralidade do trabalho e do trabalho imaterial, significando a morte do proletariado enquanto classe e o próprio fim do socialismo como possibilidade real, e mais destacadamente colocando em segundo plano a análise das classes sociais e da própria categoria trabalho na teoria social crítica.

    Entendemos, a partir destas premissas, que a dimensão simbólica do Estádio da Cidadania é justamente a transformação, visualizada a partir da matriz dominante do pensamento, do proletário (que não se esgotou enquanto concretude), que simboliza o industrialismo e toda sua ordem econômico, social, ecológica e ambiental, para o cidadão, que neste trabalho apontamos como símbolo de um novo sistema, futurista, pós-industrial, de liberdade econômica, re-dinamização urbana e sustentável. A condição de cidadão intenciona suplantar os anátemas da antiga ordem, e subseqüentemente promover a dispersão espectral de um novo modelo enganosamente participativo, justo e congregador. Esta cidadania, constituída a partir de mecanismos dominantes de gestão, acaba funcionando como ideologia para a classe trabalhadora, ocultando a luta de classes, a acaba por simbolizar a gênese de um novo modelo hegemônico de idéias, ações e objetos no território.


Considerações finais

    Na história recente de Volta Redonda, quando suas ruas e praças assistiam a imensas aglomerações de pessoas, isto significava agitação do operariado, sob forma de passeatas, comícios e greves, em reivindicações por melhorias nas condições de trabalho. Hoje, este grande acúmulo de pessoas, quando ocorre, ficou longe do portão central da C.S.N. e das imediações da Praça Brasil, nos bairros Vila Santa Cecília e Laranjal, transferindo-se para as imediações do Estádio da Cidadania, destacadamente nos bairros Nossa Senhora das Graças e Aterrado. As aglomerações a partir de greves e movimentos sindicais deram lugar às multidões dos jogos de futebol, no maior empreendimento dos últimos anos construído na cidade.

    O Estádio da Cidadania, como campo sígnico, simboliza o fim do proletariado e o advento do cidadão, numa metamorfose em curso nos mais diversos aspectos da ordem instituída. Como objeto geográfico do local, é um esforço de sintetizar um futuro promissor da cidade, de uma era de qualidade de vida, reestruturação urbana de desenvolvimento sustentável. Além disso, significa a inserção no modelo de modernização atual de estádios de futebol, com direção normativa de acordo com as necessidades do capital, criando um formato excludente e modificador das tradições comportamentais dos torcedores. Um local de consumo inócuo, nada interativo, do espetáculo.

    Apesar de tudo, logicamente, não apostamos no fim do proletário. Com base nos ensinamentos de ANTUNES (1995; 2001), entendemos este processo como ampliação do conceito de classe trabalhadora, que permanece com seu papel reivindicativo e cuja atuação não pode se afastar do mundo do trabalho. O novo símbolo da cidade de Volta Redonda não é capaz de ocultar sua história de luta, e sua propaganda não deve esconder os interesses de classe envolvidos na atual reestruturação territorial.

    Como afirma Ruy MOREIRA, "o geógrafo tem de saber falar a linguagem do símbolo" (1993: 53). A beleza estética do Estádio da Cidadania não deve, de forma alguma, dissimular o seu verdadeiro significado.


Notas

  1. Impossibilitados de atuar no Maracanã, Flamengo e Botafogo realizaram a maior parte de seus jogos (com mando de campo) no Estádio da Portuguesa da Ilha do Governador, que sofreu intervenções para o campeonato nacional e recebeu a denominação de Arena Petrobrás. O Vasco da Gama, ao contrário dos outros clubes destacados, possui seu estádio particular - São Januário - onde costuma realizar tradicionalmente seus jogos.

  2. Um marco deste processo é a criação do estádio de Wembley, em Londres, em 1923, com capacidade para 120 mil espectadores.

  3. No Maracanã, este setor popular denominado "geral", desaparecerá na atual reformulação em curso, originando mais um setor com cadeiras numeradas. Alegava-se ser a geral um foco de baderneiros, das classes perigosas que destoam da nova ordem. Há muito, com a restrição da área e limitação do número de torcedores, a lendária geral do Maracanã tinha desaparecido, sobrevivendo apenas pelo interesse da televisão nos pobres indivíduos dispostos a qualquer fantasia ou atitude bizarra para merecer alguns segundos na tela, retratando de forma humilhante e estereotipada, isto que chamam de "povo". Já no início de 2004, o Beira-Rio, principal estádio de Porto Alegre, um dos maiores do Brasil, fechou definitivamente sua "geral", localmente denominada "coréia" (uma alusão ao precário compartimento do navio destinado ao segmento inferior da tripulação). A imprensa local se resumiu a noticiar o fato como mal necessário, e o "fim do romantismo no futebol gaúcho".

  4. Wanildo de Carvalho era o vice na chapa de Juarez Antunes, e por isso assumiu o governo em seu lugar. Trata-se de um arquiteto que já estivera, no período da ditadura militar, envolvido em planos de reestruturação urbanística da cidade de Volta Redonda (LOPES, 1993: 165).

  5. Volta Redonda é conhecida nacionalmente como "Cidade do Aço", e mesmo seu time local, o Volta Redonda F.C. é chamada carinhosamente por sua torcida de "Voltaço". Símbolos que remetem à produção do aço estão na bandeira da cidade (e do próprio time), nos brasões municipais, são lembrados nos hinos e canções de homenagem à cidade. É impossível haver uma dissociação destas imagens. Trata-se, então, de dar maior evidência aos símbolos que reflitam o novo, o moderno, o futuro. Neste limiar destaca-se o Estádio da Cidadania.

  6. Nos referimos ao monumento projetado por Oscar Niemeyer em homenagem aos proletários mortos durante a invasão da C.S.N. pelo Exército, em Volta Redonda, por ocasião da greve de 1988. Este monumento foi destruído por um ataque a bombas na madrugada seguinte ao dia da inauguração (01º/05/1989) e posteriormente reconstruído com as severas marcas do atentado. Continua existindo como símbolo maior do sangrento conflito que definitivamente marcou o período de contestação às determinações impostas pela classe dominante nacional.

  7. Para completar, a construção se compõe de 960 toneladas de aço estrutural, 2,6 mil metros cúbicos de concreto, 90 mil litros de água estão disponíveis em duas cisternas, sendo que 20% são reservadas para o sistema contra incêndios; 24 catracas eletrônicas, configuradas via software, permitindo acesso apenas a setores pré-estabelecidos e comunicação on line com a Administração do Estádio; 42 cornetas de 90 graus, usadas no sistema de som com qualidade eletrônica.


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