Educação Física escolar e meio ambiente: reflexões e aplicações pedagógicas |
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*Professor da FEF MACKENZIE. **Professora da Unesp - Rio Claro, e orientadora da dissertação defendida em dezembro de 2002. (Brasil) |
Prof. Ms Luiz Henrique Rodrigues* luizh@interair.com.br Prof. Dra. Suraya Cristina Darido** |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 100 - Septiembre de 2006 |
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Introdução
Com a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais brasileiros (1997 e 1998), a temática relacionada ao Meio Ambiente, juntamente com Ética, Saúde, Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Sexualidade e Trabalho e Consumo - por envolverem múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social, vem merecendo um lugar de destaque nas discussões relacionadas à elaboração e à implementação de novas propostas educacionais, muito embora essas temáticas não sejam recorrentes na Educação Física.
Que relações podem ser construídas a partir da aproximação entre a temática relacionada ao Meio Ambiente e as aulas de Educação Física Escolar? Que referências conceituais servem de subsídio para essa aproximação? Qual abordagem metodológica viabiliza a aproximação desses dois núcleos temáticos? O ambiente escolar compreende tais conceitos?
Os fatos cotidianos nos encaminham para a necessidade de um entendimento mais aprofundado e ao mesmo tempo, ampliado de inúmeros conceitos, entre os quais, o Meio Ambiente. Entendimento este que se dá a partir das relações, das interfaces, da construção de uma rede de significados que impõem uma nova ordem, dando um sentido diferenciado à Escola, à Sociedade, ao Universo. Construir um campo ilustrativo, explorando essa rede de significados, com aplicações no contexto da Educação Física Escolar, parece ser um desafio promissor e coloca-se como uma das principais finalidades deste estudo.
O discurso da Educação AmbientalOs primeiros movimentos considerando a contribuição do processo educativo relacionados à questão ambiental ocorreram em meados da década de 60.
As referências básicas para a estruturação da educação ambiental como uma área do conhecimento aplicado encontram-se nos documentos produzidos pela UNESCO, especialmente na Carta de Belgrado, de 1976, e no documento produzido em Tbilisi, em 1983 e 1985.
Como metas para a educação ambiental, propõe o desenvolvimento da consciência em relação à interdependência das esferas econômica, social, política e ecológica em áreas urbanas e suburbanas e como dotar os indivíduos de conhecimentos, atitudes, motivações, engajamento e instrumentos para a solução e prevenção de problemas.
Como objetivos da educação ambiental, são colocados a aquisição de conhecimentos, atitudes e valores sociais que levem à participação ativa na melhoria do meio ambiente.
Destaca-se a necessidade da abordagem dos aspectos relacionados ao meio biofísico do homem e as suas complexas relações, bem como as formas de interação do homem com o ambiente, nas dimensões política, social e cultural. Outros pontos a serem considerados são as conseqüências da onda tecnológica que envolve a sociedade, para que o cidadão possa fazer escolhas, tanto do ponto de vista ambiental como social.
O debate em torno do termo desenvolvimento sustentável, apresentado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 1991, como melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas (Brasil, 1998, p.177), introduziu o termo sustentabilidade.
Em Thessaloniki, dezembro de 1997, a temática da sustentabilidade assumiu a centralidade das discussões.
Educação Física e meio ambiente: algumas possibilidadesOlhar o meio ambiente e toda a sua complexidade a partir das aulas de educação física é tarefa extremamente delicada, dada à abrangência e a profundidade das temáticas. Algumas temáticas e suas discussões se sobrepõem, o que, ao invés de ser considerado negativo, pode ser mais um instrumento para o enfrentamento da realidade social.
Temas e possibilidades de trabalho em aulas de Educação FísicaMeio ambiente, temperatura e aulas de Educação Física
A análise da incidência de sol e chuva em quadras externas e as soluções para a diminuição das interferências negativas dos fatores climáticos nas aulas poderiam configurar-se em um projeto de trabalho. Alguns encaminhamentos seriam, no caso da incidência de sol, os plantios de árvores que deve levar em consideração o tempo de crescimento, o posicionamento, o tipo de árvore e de copa, as correções no solo para melhor germinação, o espaçamento entre as árvores como também a construção de uma cobertura artificial.
Poderia ser avaliado o material a ser utilizado, o impacto ambiental gerado para a construção da cobertura, produção da matéria-prima a ser utilizada, a disponibilidade de recursos financeiros, a forma de captação... A partir da problematização de um fato relacionado à aula de educação física, estaríamos mobilizando uma série de conhecimentos (conceituais, procedimentais e atitudinais) que poderiam ser extremamente úteis ao cotidiano dos alunos sobretudo pelo fato de estimular a vivência social cidadã.
Educação Física, Lazer e Meio AmbienteOutro grande tópico apresentado pelo tema transversal meio ambiente propõe-se analisar as diversas maneiras de relacionamento entre a sociedade e o meio ambiente. Uma interface promissora dentro dessa temática relaciona-se às reflexões sobre a extinção ou privatização dos espaços públicos destinados as atividades de lazer e recreação. Entender as razões históricas e estruturais responsáveis pela apropriação dos espaços públicos de lazer e buscar alternativas para assegurar condições mínimas de segurança e adequação bem como estratégias para a ampliação da oferta dos espaços por parte dos órgãos públicos caracterizam-se como uma ação pedagógica significativa.
A efetivação da cidadania pela Educação Física, passa pelas discussões envolvendo o lazer e a disponibilidade de espaços públicos para as práticas da cultura corporal de movimento. Essas são necessidades essenciais ao homem contemporâneo e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que os esportes e as demais atividades corporais não devem ser apenas privilégio dos esportistas profissionais ou das pessoas em condições de pagar academias ou clubes. Dar valor a essas atividades e reivindicar acesso a centros esportivos e de lazer e programas de praticas corporais dirigidos à população em geral pode ser incentivado a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Física.
Espaços disponíveis para as aulas de Educação FísicaA problemática da inadequação do espaço físico para a prática de atividades corporais também pode ser identificada no interior das escolas, especialmente das públicas.
Um caminho possível é o envolvimento da comunidade local, visto que a escassez de espaços públicos para o lazer e para o esporte coloca-se como uma realidade com desdobramentos sociais que merecem ser analisados. Seria ingênuo acreditar que a simples construção de uma quadra ou equipamento lúdico/esportivo qualquer traria soluções para os problemas estruturais da sociedade. Cabe aos envolvidos com a escola refletir e procurar soluções para a diminuição ou, mesmo, extinção dessa problemática.
A depredação dos prédios escolares também tem sido motivo de grandes preocupações para todos. A recuperação dos espaços, muitas vezes, torna-se mais difícil do que a construção de novo equipamento. Refletir sobre essas questões, bem como desenvolver atitudes de preservação e conservação, configura-se como mais uma possibilidade que pode ser trabalhada nas aulas de Educação Física.
Saúde e Meio AmbienteA interface entre a saúde e o meio ambiente abre significativas possibilidades pedagógicas em aulas de Educação Física e pode ser abordada como uma temática social. O entendimento de saúde deve estar vinculado a uma política pública, direcionada a toda a população e não a uma elite, a intervenção não esteja restrita a uma única ação (praticar atividade física), esquecendo os fatores sociais, econômicos, culturais, educacionais, etc.
A concepção de saúde deve envolver a complexidade das relações entre o indivíduo e o meio ambiente, considerando as desigualdades sociais, fruto da má distribuição de renda. Palma (2001) aponta:
Os PCNs da Educação Física pretendem assegurar a autonomia necessária para os alunos agirem criticamente sobre os programas de saúde pública como também em qualquer vivência relacionada à cultura corporal de movimento."a pobreza, a saúde e a educação, assim, se inter-relacionam numa rede de interações, onde os baixos salários, a má educação, a dieta pobre, a habitação e as condições de higiene insalubres e o vestuário inadequado se influenciam mutuamente". (p.30).
Esportes de aventura e o Meio AmbienteEm oposição à vertente institucionalizada do esporte espetáculo em que preponderam as práticas mecanizadas, a eficácia do rendimento corporal e a produção de bens e serviços, os esportes de aventura buscam, segundo Costa (2000), resgatar os valores de beleza, auto-realização, liberdade, cooperação e solidariedade. É necessário, então, um olhar mais cuidadoso em relação à inserção dos esportes de aventura e as suas influências no cenário da cultura corporal de movimento.
O movimento esportivo institucional assume posição de destaque do ponto de vista social e exerce grande influência nas atividades escolares. Como um dos elementos que compõem a cultura corporal de movimento, o esporte coloca-se como objeto de estudo, tendo em vista as suas interfaces com o movimento ambientalista.
Da Costa (1997), ao analisar a Declaração do Rio de Janeiro como o resultado final da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, cita o princípio, da redução e eliminação de padrões de produção e consumo não-sustentáveis (p.23), no qual o desporto é colocado como um padrão, devido a sua crescente expansão, por vezes de forma não saudável à sociedade e freqüentemente, em desarmonia com a natureza.
De acordo com o autor, inúmeras discussões têm sido desencadeadas no meio desportivo, abrangendo as federações regionais, nacionais e, mesmo, o Comitê Olímpico Internacional, buscando encaminhamentos para a adequação à nova ordem, qual seja, a gestão de um desporto sustentável. Bento (1991, citado por Da Costa, 1997) constata que
"o cenário desportivo, impulsionado por uma primeira tendência de trazer o desporto do exterior para o interior, para o espaço fechado e coberto, é hoje marcado por uma segunda tendência, nomeadamente a de levar o desporto para o espaço aberto, para o ar livre, para o exterior, para a natureza" (p.61).
Tal tendência pode ser evidenciada pela crescente busca dos esportes de aventura, o que pode carregar valores que retratam uma nova dimensão do relacionamento homem-natureza.
A relação entre os esportes de aventura e os esportes tradicionais, pode conter grande potencial educacional. Piageassou (1997a), compara o sistema de pensamento tradicional com o sistema de pensamento ambientalista, conforme o quadro 2:
Quadro 2: Comparação entre o desporto sob a influência do pensamento tradicional e o pensamento ambientalista, Piageassou (1997).
Piageaussou (1997b) aponta essa tendência como uma nova forma de mediação desportiva que supera as formas tradicionais de competição e oposição (p.126).
Costa (2000) constata que a opção por modalidades esportivas sob a ótica ambientalista tem como motivação a superação de obstáculos na busca do autoconhecimento, da auto-realização, da satisfação pessoal, nas quais são reintroduzidas as noções de jogo e de prazer, tais como a fantasia, o desejo, o sonho, o desafio e a vertigem.
O esporte de aventura, sobretudo aquele realizado junto à natureza, representa mais uma possibilidade de aproximação entre o indivíduo e o meio ambiente, devido à interação com os elementos naturais e as suas variações, como sol, vento, montanha, rios, vegetação densa ou desmatada, lua, chuva, tempestade, desencadeando atitudes de admiração, respeito e preservação. Seria ingênuo acreditar que o simples contato com a natureza fosse condição suficiente considerar o indivíduo como defensor do meio ambiente.
Tais temáticas são muito amplas e ultimamente vêm merecendo grande destaque, especialmente por parte da mídia, o que pode ser entendido como colaboração ou também como gerador de problemas. A pluralidade de idéias e de propostas práticas é fundamental para o debate educacional e para a consolidação da representatividade social da Educação Física.
Considerações finaisAproximar três realidades, a Educação Física, o Meio Ambiente e a Escola, em constante processo de atualização e transformação, demanda cuidados e ousadia. São temáticas que isoladamente vêm merecendo um destaque significativo nos meios de comunicação de massa, o que também deve ser olhado com ressalvas.
Os temas relacionados à análise dos ciclos corporais e suas relações com os ciclos da natureza, as interferências climáticas, a disponibilidade e o estado de conservação dos espaços públicos e privados de esporte e lazer como também os espaços destinados às aulas de Educação Física, as relações que se constróem a partir da aproximação entre as temáticas da saúde e do meio ambiente, a análise crítica relacionada às propostas dos esportes de aventura como um estímulo à preservação do meio ambiente, configuram-se como propostas e encaminhamentos pedagógicos. Tais propostas bem como as sugestões de tratamento metodológico só se tornarão viáveis, se os profissionais apropriarem delas e as transformarem, tendo em vista a realidade onde se encontram.
Referências bibliográficas
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Apresentação dos Temas Transversais/ Secretaria de Ensino Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
COSTA, V. L. de M. Esportes de aventura e risco na montanha: Um mergulho no imaginário. Barueri: Manole, 2000.
DA COSTA, L. P. Environment and Sport: an international overview. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 1997.
PALMA, A. Educação Física, corpo e saúde: uma reflexão sobre outros modos de olhar. . Revista Brasileira de Ciências do Esporte. n.2 v.22 p.23-39, 2001.
PIGEAUSSOU, C. The various forms of environmentalist thinking within the field of sports activities: Fron the utopic to the realistic. In: DA COSTA, L. P. Environment and Sport: an international overview. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 1997a.
Mutations du sport et de son environnement: Evolution ou revolution? D'une aproche pragmatique à une reflexion antropologique, perspectives francaises. In: DA COSTA, L. P. Environment and Sport: an international overview. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 1997b.
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